Ó

8 narrators, 2 choirs, orchestra, and pre-recorded sounds
2010-2014
35'
Commissioned by the São Paulo Symphony Orchestra
Text by Nuno Ramos
OSESP - Criadores do Brasil Music Publishing
São Paulo Symphony Orchestra and Choir (OSESP) – cond. Neil Thomson
Premiere 09/12/2019

photo by Arthur Nestrovski.

Program Notes (English)

Commissioned by the São Paulo Symphony, my work Ó [...] was written between 2010 and 2014, and [...] is based on the lush book by artist Nuno Ramos (Ó, Iluminuras, 2008), as well as unique aspects of his brilliant work as a visual artist.

Perhaps the central aspect of my Ó is the development of a work, much like Nuno's, that defies classification. Nuno's Ó is not a novel, nor poetry, nor an essay, but somehow encompasses all of them. Similarly, my piece is not a choral, symphonic, electroacoustic, concrète, or chamber music work, but a composition that engages, challenges, and provokes while encompassing all these genres. Furthermore, I embrace techniques and styles that are conceptually contradictory, not to promote stylistic clashes, but to expand the range of colors and expressive possibilities readily available in the composition. Spectral, tonal, atonal, modal, collage, and concrete procedures coexist here in pure harmony. Thus, my Ó aims to reflect on the nature of music as an expressive language, its limitations, and virtues.

Another important perspective is the desire, as much as possible, to let Nuno's beautiful text be or remain as it is, without major interpretations in the musical part (which is practically impossible in a project like this). I propose a more or less objective acoustic reading that seeks to bring forth the sonic universe already present in the text. The orchestra and choir suggest simultaneous representations of the content of the text recited by the narrators; for instance: every time the word "ó" is pronounced, the choirs sing a chord that represents an acoustic translation of my own voice singing an "ó". This is possible through spectral analysis of a recording of my voice. Similar techniques bring forth interpretations — or translations — of real sounds of hyenas and lions, present in Nuno's text. This is the essential nature of translation: with each movement of approaching the original text, I simultaneously and necessarily distance myself from it. In Nuno's own words: "We are sunk in our flesh, with minimal windows of connection. Every language, every science, every poetry wants to increase the transparency of this fragile glass, but ends up thickening it — instead of making the epiphany last, it replaces it, creating a new layer of isolation". [...]

The composition also includes pre-recorded sounds, including recordings produced during a beautiful interdisciplinary project in which I had the pleasure of participating: "Nos sons da APA São Francisco Xavier". I directed an improvisation in the Serra da Mantiqueira, where almost forty children from public schools collected objects related to the different environmental protection areas of the APA (Environmental Protection Area). These sounds represent life, the fragility of nature, youth (and how it quickly passes); these sounds collide with the ancient, in a collage that includes a work by Josquin des Prez (c. 1450-1521) — "Déploration Sur la Mort de Johannes Ockeghem" — in which a composer pays tribute to the master who is no longer here (death is a central theme in Nuno's book).

My Ó is dedicated to Nuno Ramos for his inspiration, to Arthur Nestrovski for his support and trust, and is also a homage to the great Italian composer Luciano Berio (1925-2003). Listeners familiar with the master post-modernist's “Sinfonia” will immediately recognize parallels in the instrumentation and pluralistic character of the piece, which also deals with death (the second movement of Berio's “Sinfonia” is a memorial to Martin Luther King) and the music of past masters (the third movement collages with Mahler's Symphony No. 2). Berio's Symphony is a true Ó.

— Felipe Lara

Program Notes (Portuguese)

Encomenda da Osesp, minha obra Ó [...] foi escrita entre 2010 e 2014, e [...] é baseada no riquíssimo livro homônimo do artista Nuno Ramos (Iluminuras, 2008), mas também em aspectos únicos de seu brilhante trabalho como artista plástico.

Talvez o aspecto central do meu Ó seja o desenvolvimento de um trabalho, assim como o do Nuno, inclassificável. O Ó de Nuno não é romance, nem poesia, nem ensaio, mas tudo isso, de certa forma. O meu não é uma peça coral, sinfônica, eletroacústica, concreta nem camerística, mas uma obra que dialoga, desafia e provoca enquanto habita todos esses gêneros. Indo além, eu convido técnicas e estilos conceitualmente contraditórios, não para promover colisões ou embates estilísticos, mas para ampliar a gama de cores e o leque expressivo imediatamente disponíveis na composição. Procedimentos espectrais, tonais, atonais, modais, colagens e concretos convivem aqui em pura harmonia. Assim, o meu Ó tenta refletir sobre a própria natureza da música como linguagem expressiva, suas limitações e virtudes.

Outra perspectiva importante é o desejo de, na medida do possível, deixar o belo texto do Nuno ser ou permanecer como é, sem grandes interpretações na parte musical (o que é praticamente impossível num projeto como esse). Proponho uma leitura acústica mais ou menos objetiva, que procura trazer à tona o universo sonoro já presente no texto. A orquestra e o coro sugerem representações simultâneas ao conteúdo do texto declamado pelos narradores; por exemplo: cada vez que a palavra “ó” é pronunciada, os coros cantam um acorde que representa uma tradução acústica da minha própria voz cantando um “ó”. Isso é possível após a análise espectral de uma gravação da minha voz. Técnicas similares trazem à tona interpretações — ou traduções — de sons reais de hienas e leões, presentes no texto do Nuno. Assim é a natureza essencial da tradução: a cada movimento de aproximação do texto original eu, simultânea e necessariamente, me distancio. Nas próprias palavras do Nuno: “Estamos afundados em nossa carne, com mínimas janelas de conexão. Toda linguagem, toda ciência, toda poesia quer aumentar a transparência desse vidro frágil, mas acaba por aumentar sua espessura — em vez de fazer durar a epifania, substitui-se a ela, criando uma nova camada de isolamento”. [...]

A composição apresenta também sons pré-gravados, incluindo registros produzidos durante um projeto interdisciplinary lindo do qual tive o prazer de participar: Nos sonsda APA São Francisco Xavier. Dirigi uma improvisação na Serra da Mantiqueira, onde quase quarenta crianças de escola pública coletaram objetos referents às distintas zonas de proteção ambiental da APA (Área de Proteção Ambiental). Esses sons representam a vida, a fragilidade da natureza, a juventude (e como ela passa rápido); esses sons colidem com o antigo, numa colagem que inclui uma obra de Josquin des Prez (c. 1450-1521) — Déploration Sur la Mort de Johannes Ockeghem —, em que um compositor faz tributo ao mestre que já não está (a morte é um tema central no livro do Nuno).

Meu Ó é dedicado ao Nuno Ramos pela inspiração, ao Arthur Nestrovski pelo apoio e confiança, e é também uma homenagem ao grande compositor italiano Luciano Berio (1925-2003). Os ouvintes que conhecem a Sinfonia do mestre pós-modernista reconhecerão imediatamente paralelos na instrumentação e no caráter pluralista da peça, que também lida com a morte (o segundo movimento da Sinfonia de Berio é um memorial a Martin Luther King) e com a música de mestres do passado (o terceiro movimento faz uma colagem com a Sinfonia no 2 de Mahler). A Sinfonia de Berio é um verdadeiro Ó.